sábado, 3 de novembro de 2012

Tia Neiva - Anotações Diversas


Quando a vida missionária se descortinou à minha frente, tudo se modificou, inclusive, naturalmente, o meu destino, e eu dizia que, no meu peito, só havia lugar para terríveis conflitos, que me jogavam no abismo de uma obsessão. Porém, a minha mente buscava uma verdade! E essa verdade era Jesus, Jesus o Caminheiro, o Homem Divino, absoluto, que caminhava às margens do rio Jordão, que alimentava os pobres, que não se preocupava com os rabinos doutores que lhe viraram as costas... Então, nos maiores conflitos, eu formava a imagem daquela rica mensagem – Jesus! E sentia a Verdade em todo o meu ser.
Já firme, entreguei-Lhe os meus olhos, pedindo que os arrancasse quando eu, se por vaidade, enganasse alguém em seu Santo Nome, através do meu juramento: Jesus! No descortinar desta visão, sinto renascer o Espírito da Verdade na missão que me foi confiada: o DOUTRINADOR! É por ele e a bem dele que venho, nesta bendita hora, Te entregar os meus olhos. Lembra-Te, Senhor, de protegê-los, até que eu, se por vaidade, negar o Teu santo nome, mistificar a minha clarividência, usar as minhas forças mediúnicas para o mal, tentar escravizar os sentimentos dos que me cercam ou quando, desesperados, me procurarem. Serei sábia, porque viverás em mim!
Passei, então, filho, a não mais me preocupar com os valores sociais, e penetrei, com respeito, no mundo dos espíritos. E como se já não bastasse a minha grande dor, como se todos fossem alheios aos meus conflitos, chegavam de mil lugares as críticas, o porquê de meus componentes serem tão pobres e doentes, aleijados... E, assim, as coisas foram piorando: aquela mulher segura começava a cair. Verdade! Aquela mulher que existia dentro de mim estava se apagando, ausentando-se de si mesma.
Oh, meu Deus! É difícil animar o corpo quando a alma está ausente.
Filho, quantas vezes recusamos água. No entanto, não podemos viver sem ela!
Aprendi a viver no meio de uma multidão que me assistia silenciosamente, simultaneamente com outra, barulhenta, me exigindo respostas, essa multidão visível, influenciando, observando, ajudando a penetração de outros, inesperados...
Só Deus sabia o que vinha no meu misterioso interior. Eu já não sabia mais sorrir...
- Sim, sem luta não há evolução. – dizia Mãe Yara, deixando eu ver seu lindo rosto, que eu ficava a admirar, e continuou, mais séria – Neiva, já fiz de tudo para chegar até aqui e penetrar em teu coração. Até já me fiz de aleijada, dando o nome de Adelina... Venho, agora, te dizer, seriamente, que o amor é a arma imponderável e invencível do espírito missionário, que não tem escolha. É uma divindade a tua missão.
Eu, compungida, ainda disse algumas palavras, mas ela as repeliu:
- Em nenhuma de tuas vidas fostes piedosa. Eis porque fostes escolhida.
- Oh, Mãe, me ajude! – voltei a falar. – Me ilumine, para que eu seja como Deus quer, e para que eu possa abandonar os tristes hábitos do meu passado.
- Neiva! Haverá, por acaso, quem goste de sofrer? Não será preciso retirar os teus tristes hábitos. O belo é o resplendor do verdadeiro. Não saia do naturalismo. Sejas natural e ames o que sempre amastes, e recuses o que sempre recusastes. A única diferença, Neiva, é saber tolerar os teus amigos e os teus amores, até que te faças acreditada. Este será, sim, o mais difícil período de tua missão. Porém, só Deus conhece Deus...
Fiquei alarmada, e perguntei:
- Não conheces Deus?
- Sim, em sua figura simples e hieroglífica, como tu O conheces!
Fiquei sem entender, e ela continuou:
- Hieroglífica, sim, Neiva! Deus é o poder supremo, em todas as coisas. Deus neste planeta; nas plantas balançando o prana; no aroma da mata frondosa; no mar, no espaço, nas estradas e na porta estreita; na alegria e na dor. Ele está no fundo dos nossos corações, Neiva. Deus é a energia luminosa que desencadeia reações; seres vivos ou vegetais vivem em ambientes inorgânicos e geram pelo sopro de Deus. Seja otimista o mais possível, ligada a Jesus!
- E o Cacique Guerreiro Tupinambás? – perguntei – Posso chamar por ele?
- Sim, Neiva, ele é Seta Branca, aquele que vem com uma seta branca nas mãos. Diga comigo: meu Pai Seta Branca...
E assim Mãe Yara ia me preparando com os espíritos. Épocas eu ia bem, épocas eu estrilava ou não entendia nada.


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