Quando
a vida missionária se descortinou à minha frente, tudo se
modificou, inclusive, naturalmente, o meu destino, e eu dizia que, no
meu peito, só havia lugar para terríveis conflitos, que me jogavam
no abismo de uma obsessão. Porém, a minha mente buscava uma
verdade! E essa verdade era Jesus, Jesus o Caminheiro, o Homem
Divino, absoluto, que caminhava às margens do rio Jordão, que
alimentava os pobres, que não se preocupava com os rabinos doutores
que lhe viraram as costas... Então, nos maiores conflitos, eu
formava a imagem daquela rica mensagem – Jesus! E sentia a Verdade
em todo o meu ser.
Já
firme, entreguei-Lhe os meus olhos, pedindo que os arrancasse quando
eu, se por vaidade, enganasse alguém em seu Santo Nome, através do
meu juramento: Jesus!
No descortinar desta visão, sinto renascer o Espírito da Verdade na
missão que me foi confiada: o DOUTRINADOR! É por ele e a bem dele
que venho, nesta bendita hora, Te entregar os meus olhos. Lembra-Te,
Senhor, de protegê-los, até que eu, se por vaidade, negar o Teu
santo nome, mistificar a minha clarividência, usar as minhas forças
mediúnicas para o mal, tentar escravizar os sentimentos dos que me
cercam ou quando, desesperados, me procurarem. Serei sábia, porque
viverás em mim!
Passei, então, filho, a não mais me preocupar
com os valores sociais, e penetrei, com respeito, no mundo dos
espíritos. E como se já não bastasse a minha grande dor, como se
todos fossem alheios aos meus conflitos, chegavam de mil lugares as
críticas, o porquê de meus componentes serem tão pobres e doentes,
aleijados... E, assim, as coisas foram piorando: aquela mulher segura
começava a cair. Verdade! Aquela mulher que existia dentro de mim
estava se apagando, ausentando-se de si mesma.
Oh,
meu Deus! É difícil animar o corpo quando a alma está ausente.
Filho,
quantas vezes recusamos água. No entanto, não podemos viver sem
ela!
Aprendi
a viver no meio de uma multidão que me assistia silenciosamente,
simultaneamente com outra, barulhenta, me exigindo respostas, essa
multidão visível, influenciando, observando, ajudando a penetração
de outros, inesperados...
Só
Deus sabia o que vinha no meu misterioso interior. Eu já não sabia
mais sorrir...
-
Sim, sem luta não há evolução. – dizia Mãe Yara, deixando eu
ver seu lindo rosto, que eu ficava a admirar, e continuou, mais séria
– Neiva, já fiz de tudo para chegar até aqui e penetrar em teu
coração. Até já me fiz de aleijada, dando o nome de Adelina...
Venho, agora, te dizer, seriamente, que o amor é a arma imponderável
e invencível do espírito missionário, que não tem escolha. É uma
divindade a tua missão.
Eu,
compungida, ainda disse algumas palavras, mas ela as repeliu:
-
Em nenhuma de tuas vidas fostes piedosa. Eis porque fostes escolhida.
-
Oh, Mãe, me ajude! – voltei a falar. – Me ilumine, para que eu
seja como Deus quer, e para que eu possa abandonar os tristes hábitos
do meu passado.
-
Neiva! Haverá, por acaso, quem goste de sofrer? Não será preciso
retirar os teus tristes hábitos. O belo é o resplendor do
verdadeiro. Não saia do naturalismo. Sejas natural e ames o que
sempre amastes, e recuses o que sempre recusastes. A única
diferença, Neiva, é saber tolerar os teus amigos e os teus amores,
até que te faças acreditada. Este será, sim, o mais difícil
período de tua missão. Porém, só Deus conhece Deus...
Fiquei
alarmada, e perguntei:
-
Não conheces Deus?
-
Sim, em sua figura simples e hieroglífica, como tu O conheces!
Fiquei
sem entender, e ela continuou:
-
Hieroglífica, sim, Neiva! Deus é o poder supremo, em todas as
coisas. Deus neste planeta; nas plantas balançando o prana; no aroma
da mata frondosa; no mar, no espaço, nas estradas e na porta
estreita; na alegria e na dor. Ele está no fundo dos nossos
corações, Neiva. Deus é a energia luminosa que desencadeia
reações; seres vivos ou vegetais vivem em ambientes inorgânicos e
geram pelo sopro de Deus. Seja otimista o mais possível, ligada a
Jesus!
-
E o Cacique Guerreiro Tupinambás? – perguntei – Posso chamar por
ele?
-
Sim, Neiva, ele é Seta Branca, aquele que vem com uma seta branca
nas mãos. Diga comigo: meu Pai Seta Branca...
E
assim Mãe Yara ia me preparando com os espíritos. Épocas eu ia
bem, épocas eu estrilava ou não entendia nada.
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