Em
uma aula no Templo, em julho de 1976, Tia Neiva contou esta
história, que foi intitulada “Um Homem de Dois Mundos”:
“Eram
altas horas da madrugada quando consegui me desdobrar, pelo mesmo
mecanismo habitual que me coloca ao lado de Mãe Tildes ou de Amanto.
Este
é um fato muito original - para mim comum: a maneira como caminho,
sem outras preocupações, sem noção do tempo, apenas reconhecendo
os lugares por onde ando. Sei como funcionam as coisas, certas horas
com uma luz, outras vezes com outra iluminação, sempre guiada pelas
vibrações de Capela.
Assim,
fui caminhando, até que encontrei o que procurava: o quadro de
Marcondes: lá estava ele, em uma mansão, com numerosa família, na
maior tranqüilidade.
Chegamos
perto e ele imediatamente me reconheceu.
-
Oh, irmã Neiva! - exclamou - Que bom vê-la aqui!
-
Já o mandei embora, Tia Neiva - disse uma senhora de seus quarenta
anos.
-
Eu sei, minha senhora. Sou clarividente e ainda vivo na Terra.
Eles,
então, se aproximaram para nos receber e Marcondes exclamou:
-
Oh, minha doce Mãe Tildes, a senhora que já é uma serva de Deus,
tenha misericórdia de mim, alivie o meu sofrimento na Terra! Acabe
com isso de uma vez!... Aproveite que minha matéria já está
cancerosa.
-
Pobre Marcondes! - disse Mãe Tildes - Vai, meu filho, volta para o
teu suplício pois ainda não terminastes a tua pena...`
Mãe
Tildes se voltou para a senhora e disse:
-
Ora por ele, minha filha. Mais alguns meses e ele estará junto a
vocês.
Marcondes
partiu para a Terra, sob nossos olhares consternados, e, em seguida,
entramos na linda mansão. Logo a simpática senhora nos deixou à
vontade, conservando-se tranqüila, e me disse:
-
Pois é, Tia Neiva, nós viemos do Engenho Velho. Mãe Tildes nos
conhece bem, pois fomos vizinhas naquela feliz encarnação.
Mãe
Tildes acenou para mim, confirmando o que a senhora dizia. E esta
continuou:
-
Naquele tempo, Marcondes era um senhor de engenho e lá recebemos, em
nosso lar, dezesseis filhos, todos filhos espirituais! Ah, como foi
maravilhoso! Imagine, Tia, que todos eles haviam sido, em encarnações
anteriores, Vikings! Eles eram tremendos, meu Deus! Eram tão cheios
de caprichos, tão sanguinários... Mas a feliz oportunidade junto a
Marcondes, num lar cheio de amor, tornou possível transformar
aqueles terríveis Vikings em Cavaleiros de Oxosse!
-
A propósito, - perguntei - onde estão eles agora?
-
Eles agora são Cavaleiros, estão integrados na nova organização
de São Sebastião. Cinco eram mulheres que se integraram em outras
falanges, junto às suas almas gêmeas. Porém, esta mansão continua
sendo o nosso lar.
-
E por que - perguntei - o Marcondes continua na Terra e tão
desnorteado?
-
Não, ele não está desnorteado. Ele está lá porque pediu a Deus.
Depois que ele estava aqui, no seio da família, viu um grande erro
seu, cometido na encarnação do Engenho Velho. Na Terra, nas nossas
preocupações, esquecemos de analisar os outros, que também são
nossos cobradores e precisam de nós, de nossa grande riqueza. Assim
aconteceu com a gente. Quando partimos dos planos espirituais, todos
haviam nos avisado que nossas dívidas eram muitas e que a cobrança
seria grande. Havíamos pedido demais, diziam. De fato, assim foi,
mas, graças ao nosso amor, conseguimos tudo que vosmeceis estais
vendo.
-
Mas - atalhei eu - se tudo saiu tão bem, por que Marcondes teve que
reencarnar?
-
Porque quando ele se encontrou aqui, um espírito livre das amarras
da Terra, ele viu tudo o que fez, mas, também, viu tudo que não
havia feito! Pediu, então, para voltar e Deus, com seus Ministros,
concedeu-lhe esta prova, ou melhor, esta missão que ele está
cumprindo.
-
Sim, - disse eu - mas, afinal, o que é que ele deixou de fazer?
-
Marcondes, no Engenho Velho, não tinha clemência com os menos
afortunados da sociedade. Ele sempre pisava naqueles que ele achava
estarem errados. Ele se arvorava em juiz do povoado! Oh, meu Deus!
Ainda me lembro de Judith, uma viúva cujos filhos eram ladrões e
viciados. Certa vez , uma filha dela, casada, foi espancada pelo
marido, devido a um roubo que havia cometido. Marcondes foi
implacável e violento com a pobre mulher. E assim foi, também, com
os outros filhos da pobre viúva. Quando aqui chegamos, Marcondes viu
que eles haviam desencarnado mas iriam retornar à Terra. Pediu,
então, para voltar, e hoje ele está casado com a antiga viúva do
Engenho Velho. Naquela época, ela também tinha dezesseis filhos,
mas agora, ao casar com Marcondes para o reajuste, somente alguns
deles nasceram do casal, inclusive aquela que Marcondes havia
maltratado por causa do roubo, no tempo do Engenho Velho. Hoje, ela
é sua filha e, por caprichos do destino, casou-se com o mesmo homem
que foi seu marido naquela época.
Enquanto
a mulher falava eu, de repente, comecei a rir de mim mesma... Mãe
Tildes voltou-se para mim, com ar de censura, e me interpelou por
minha atitude aparentemente de galhofa.
Eu
então expliquei que estava rindo de mim mesma, porque, desde o dia
em que conhecera aquela família ela nunca mais me dera sossego!
Imaginem
que Marcondes havia me procurado em Taguatinga, justamente porque seu
genro havia dado uma surra em sua filha - por incrível que pareça -
por motivos de um roubo!
Desta
vez, porém, Marcondes agira de forma bem diferente daquela do
Engenho Velho: agiu com toda a paciência, fê-la se reconciliar com
o marido, e tudo acabou em paz. Hoje, o casal está muito feliz,
inclusive freqüentando nosso Templo.
A
mesma atitude ele teve com os outros filhos do casal, todos sendo bem
encaminhados. Faz cinco anos que eu acompanho esta família! Apesar
disso, Judith não o deixava sossegado. Ela era um desses espíritos
que costumamos chamar de “sem procedência”.
Percebi
que nossa visita estava chegando ao fim. A senhora, com olhar que
implorava, suplicou:
-
Ajude-o, Tia! Ajude-nos, pois, enquanto ele viver, essa mulher irá
lhe cobrar. Sei que, no plano físico, a senhora poderá fazer muita
coisa. Ajude-nos!
-
Oh, meu Deus! - exclamei - Dê-me forças... Estou tão doente!...
-
Não, minha irmã, - disse ela - não desanime. Jesus e Pai Seta
Branca precisam da senhora!
Mãe
Tildes e eu dissemos “Salve Deus!” e partimos.
Passamos
pela Torre de Marcela e vimos que estava chegando muita gente nova da
Terra. Vimos os Mensageiros se preparando para socorrer os
flagelados de uma grande enchente que estava ocorrendo em um lugar do
Brasil. Isso fez com que me lembrasse de outros necessitados, e me
apressei em ir para minha cabala, onde fui manipular forças de
desobsessão.
Despertei
com Gertrudes me chamando:
-
Madrinha... Madrinha... Acorde! Está lá fora uma filha do seu
Marcondes, que veio buscá-la. Ele está muito mal!
Entrei
na vida física mas não me desliguei dos quadros que vira. E, assim,
fui até o hospital São Vicente, onde Marcondes estava internado.
Olhei
para aquele homem, que poucas horas antes me falava, com toda
firmeza, no plano etérico. Vi que ele não se lembrava de coisa
alguma. A cobrança era perfeita! Judith entrou no quarto do doente
e, tão pronto me viu, foi logo falando:
-
Olha, irmã Neiva, este homem está aqui de teimoso. Como é teimoso
e pirracento! O pior é que vai acabar morrendo e me deixando na
pior, sem dinheiro e sem nada!
Ele,
cheio de dores, levantou a cabeça, muito submisso, e disse:
-
Oh, benzinho, não é bem assim... Isso não é um simples resfriado.
Há muito tempo eu tenho esses caroços no pescoço.
-
Nada disso! - retorquiu ela - Isso começou nas pescarias e nas
cachaçadas! Só depois que nós conhecemos esta santa mulher foi que
você tomou vergonha!
Nesse
momento, o médico entrou. Acenei discretamente para ele e perguntei,
sem que os outros ouvissem, qual era o diagnóstico de Marcondes.
-
Câncer. - foi a lacônica resposta - A senhora é parente dele?
-
Não, - respondi - sou apenas uma amiga. O meu nome é Neiva.
-
Ah, sim, a senhora é Tia Neiva! A senhora tem um orfanato aqui
perto, não é?
Confirmei
com a cabeça e, não podendo mais suportar as pragas da mulher, fui
para casa.
Continuei
com minhas consultas, atendi a muita gente, mas continuava
desassossegada. Sabia que Marcondes morreria logo, mas o quadro
permanecia o mesmo. Judith não parava de vociferar, enquanto as
dores do paciente aumentavam de forma horrível.
Essa
situação durou até à libertação de todos os obsessores, até
eles se encaminharem para Deus.
Finalmente,
Marcondes morreu.
Depois
disso, Judith passou a ser a mulher mais bondosa do mundo! Apesar de
seus sessenta e cinco anos, casou-se outra vez.
Passaram-se
alguns anos e não tive mais notícias deles.
Mudamo-nos
para o Vale do Amanhecer. Os anos passaram e a vida continuou seu
curso.
Certo
dia, eu estava no Templo, classificando os médiuns, quando vi
Marcondes junto a uma jovem médium. Reconheci-o imediatamente e,
surpresa, perguntei-lhe o que estava fazendo ali. Ele sorriu e,
apontando para o lado, mostrou-me uma Preta Velha que também sorria.
Reconheci,
então, a senhora da mansão. Eles me explicaram que tinham vindo
para falar comigo. Haviam pedido a Deus a oportunidade para ajudar no
desenvolvimento dos médiuns. Marcondes falou:
-
É verdade, Tia, que não temos muito para dar, ainda não temos
graças para isso. Porém, estamos felizes de, pelo menos, poder
ajudar a abrir as incorporações. Graças a Deus, nossos filhos
também estão aqui. Salve Deus!
Comovida,
mas atenta na minha clarividência, vi que a jovem médium, a quem eu
iria classificar naquele momento, era um dos antigos espíritos,
filhos de Judith, a viúva do Engenho Velho, uma moça que não
nascera como filha do casal atual! Salve Deus!”
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