FORMAÇÃO DA UESB
03.11.1959
Recebemos, eu e
meu companheiro Getúlio, ordem espiritual para virmos aqui morar e
junto a nós veio um bom servidor de Deus - António, o Carpinteiro,
como o chamavam os espíritos.
Meu companheiro,
Getúlio da Gama Wolney, e António começaram a trabalhar
desesperadamente nas construções de prédios de madeira para
morarmos, enquanto eu, Gilberto, Raul, Carmem Lúcia e Vera Lúcia,
saíamos em busca do ganho material: com um pequeno veículo
vendíamos, em Brasília, roupas feitas e bijuterias, e só mesmo com
a protecção de Deus fazíamos boas vendas e todos os dias, ao finar
o dia, eu e meus filhos nos reuníamos e repartíamos o dinheiro.
Metade era para comprar géneros alimentícios, e com a outra metade
comprávamos gasolina e tecidos, para que eu e Wilma - a esposa do
António Carpinteiro - os transformasse em saias de senhoras, enfim,
roupas feitas. Trabalhávamos à noite e seguíamos no outro dia,
depois de um almoço cedo. Como todos sabem, o pouco com Deus é
muito!
Em poucas horas,
coisa mesmo de admirar, lá vínhamos eu e meus filhos, no mesmo
regime do dia. E assim passaram os dias, os meses. A caridade já me
tomava parte do ganho material.
E os visitantes!
Já podia contar 20 ou 30 pessoas nos domingos, para almoços e
jantares que eu me via obrigada a servir, pois os mesmos se
acomodavam em minha casa.
Meus Deus - pensei
muito -, será possível que só escolhestes avarentos e acusadores?
Que Deus me perdoe por meus instantes de dor, quando me faltava a
compreensão ante aqueles exploradores! Comecei a sentir desprezo
pela vida material. Eles estragavam sempre os meus planos. Quantas
vezes eles chegavam e, na minha própria casa, ali comodamente,
começavam a discutir, recriminando tudo o que, com sacrifício,
fazíamos eu e meu companheiro.
Nada dizíamos.
Era mesmo horrível. Eu olhava ao redor e via, na verdade, material
para construirmos. Porém, via também que os trabalhadores
precisavam comer. Alguém teria que sustentá-los.
Fui então vendo
todo o sofrimento dos meus filhos e do meu companheiro Getúlio. Já
sem entusiasmo, continuava eu. A caridade se alastrava, com bela
emanação, aos que não a conheciam. A luz da Verdade começava a
reluzir nas iniciais que comandava aquela terra sagrada - UESB!
Enquanto lutávamos
para o nosso infeliz sustento e grandeza da obra, outros se reuniam
até mesmo na minha casa, e ali ficavam a ofender nossa Irmã Neném
(Directora Espiritual), que também, àquela altura, tinha vindo
residir aqui.
Eram horríveis os
nossos primitivos cobradores! Todos se revoltavam... Todos começavam
a vibrar a inquietude da revolta íntima. Muitas vezes
desencadeavam-se discussões e, muitas vezes conheci o ódio nos
corações de alguns. Porém, com toda aquela incompreensão quem
mais sofria era eu! Tudo desencadeava em mim, na verdade, além de
todas as torturas que pensam sentir os pobres sem compreensão que
desejam servir a Deus.
Sentia eu também
pela rebeldia de não gostar de morar no mato, a falta de conforto
material, a mudança de profissão, ver arrancados dos estudos os
meus filhos. Tudo era tortura para mim e meu companheiro. E pelos
mesmos trilhos passava a Irmã Neném com os seus filhos.
António
Carpinteiro e nós todos víamos chegar, batendo em nossas portas,
nossos velhos credores antepassados, nos cobrando centil por centil.
E assim pagávamos, sem as forças necessárias do bom trabalhador em
Cristo.
Os tempos passavam
e eu, com o mesmo ideal de vencer, continuava também no mesmo
comércio, porém em dias alternados, pois a caridade não me dava
mais tempo. Chegavam aqui pessoas de todos os lugares, com
enfermidades para serem curadas. E Deus me dava forças nesta Terra,
fazendo assim as mais perfeitas curas.
Devido a essa
enchente de pessoas, marquei uma taxa a ser paga pela pessoa que
tomasse refeições no bendito abrigo que chamávamos de “hotel”.
Esta taxa era de 40 cruzeiros por dia. Na maioria, eram indigentes, e
eu os sustentava, sem qualquer ajuda que não fosse lançada em meu
rosto ou alegada por toda parte. É muito fácil oferecer alguns
quilos em géneros alimentícios. Porém, oferecer o próprio
sustento dos filhos, tirando-lhes a metade do que lhes é justo, e,
em amor do Cristo, oferecer a quem pensamos ser um estranho, não é
fácil, meus irmãos!... E eu o fiz!
Carmem Lúcia,
minha filha de 15 anos; Gertrudes, minha filha adoptiva; Marly, filha
de nossa querida Directora Irmã Neném, uma linda jovem bacharela, a
todas eu incentivava ao trabalho na cozinha para os doentes. Muitas
vezes sentia medo que elas se envaidecessem com os elogios dos
visitantes.
Certo dia, após
uma de minhas incorporações, recebi da Directora uma ordem que
teria sido dada pelo espírito secretário do nosso Pai Espiritual
Seta Branca, espírito este a razão porque ali vivíamos assim, e
que teria dito que eu e meu irmão Jair teríamos que entregar nossos
veículos em troca de um possante motor gerador de força eléctrica.
Não titubeamos e,
assim, eu e meu bom irmão, que foi para mim uma força ajudadora,
entregamos os nossos tão úteis carros. Começou, então, a piorar a
minha situação material.
Senti que devia
preparar-me para receber as avalanches...
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