Noite
de intensa atividade curativa no Templo do Amanhecer.
Uma
pequena multidão se comprime na área, grande, porém
insuficiente
para tantas pessoas simultaneamente. Médiuns e
clientes, pobres e
ricos, homens e mulheres, crianças e adultos,
cada qual com seu
problema e sua angústia!
Ora
sentada, ora cuidando de um e de outro, a Clarividente
não pára um
minuto, seus dois sentidos alertas, no mundo físico e
no mundo
espiritual.
Três
homens se aproximam dela. Pelas roupas, se percebe
serem pessoas de
certo trato. Nota-se o constrangimento em
disputarem a atenção da
preciosa médium, com os clientes mais
familiarizados com o
ambiente.
Por
fim, conseguem seu intento, e
sentam-se com ela na pequena mesa de
atendimento.
Os
olhos negros e profundos fitam, corteses, os três homens,
enquanto
eles se entreolham, embaraçados. Dois são de meia
idade e outro
aparenta ter uns cinqüenta anos. A tensão entre eles
é visível.
O mais velho toma a palavra:
-
Dona Neiva, – diz ele – viemos aqui lhe fazer uma consulta.
Temos
uma firma de assistência, e estes dois trabalham comigo.
Este
é Jairo, meu contador, e o João a senhora já deve conhecer,
pois
tem freqüentado este Templo. João é meu administrador, e foi
quem
me aconselhou a procurar a senhora. O problema é o
seguinte: nossa
firma vai mal, estamos passando por muitas
dificuldades e, por
último, para piorar a situação, descobrimos um
desfalque de quase
cem milhões de cruzeiros!
Pois
bem, Dona
Neiva, a direção da firma está entre nós três e o
fato é inexplicável.
O
que quer que seja, só pode ter sido feito por um de nós, pois os
outros empregados têm pouco acesso a quantias tão vultosas.
Somos
amigos há muitos anos, e entre nós há muita confiança. Não
quero que uma falsa interpretação venha a manchar essa
confiança,
mas a verdade é que a diferença do dinheiro existe e, se
não
localizarmos onde está o engano, correremos o perigo de uma
falência. Por isso decidimos vir juntos consultá-la.
A
senhora é
quem vai nos dizer o que está acontecendo. Se um de nós
está
sendo
desonesto, a senhora vai nos dizer quem é.
Do
meu setor de trabalho eu vira os três homens se
aproximando de
Neiva, e tivera minha atenção despertada por eles,
por conhecer um
deles, que freqüentava o Templo.
Naquele
dia, o trabalho terminou um pouco
mais cedo que de costume e, no
caminho de casa, a
Clarividente me descreveu a cena acima. Mais
tarde,
ela
me contou o resto da consulta:
Comecei
a grifar seus nomes: Júlio, o engenheiro, sócio
principal da
firma, 48 anos; Jairo, o contador, 27 anos; e João, o
administrador, 31 anos.
Jairo,
o contador, olhava-me intensamente, e tinha um ar de
incredulidade,
como se me desafiasse a dizer a verdade. Os outros
estavam
visivelmente constrangidos.
De
pronto afastei João de qualquer suspeita, pois conhecia
eu quadro
de uma consulta que me fizera dias antes. Como um
raio, a culpa do
contador se fez presente na minha clarividência, e
sua atitude
confirmava isso.
A
fim de ganhar tempo e ouvir Mãe Etelvina, a profetiza
que me
assiste nas consultas, comecei a grifar lentamente cada um
dos
nomes, como é meu hábito.
Ali
estava eu diante de um fato consumado, de um ladrão e
suas vítimas!
Meu primeiro impulso foi o de dizer claramente o
que estava
acontecendo. Bastava responder à pergunta do
engenheiro ou à
insolência do ladrão, e pronto... Por fim, Mãe
Etelvina veio
tirar-me da situação incômoda, pois já começava a
ter raiva do
contador desonesto.
-
Minha filha, – disse ela – diga-lhes que você prefere dar as
respostas depois de ver o quadro de cada um, separadamente, de
consultar um de cada vez. Diga-lhes que você não tem capacidade
de
adivinhar quem roubou, mas que você pode ajudá-los olhando
o
quadro de cada um deles.
Um
pouco decepcionados, eles concordaram, e pedi ao
contador que fosse
o primeiro. Os outros se levantaram e foram se
sentar no banco.
Vi-me, então, frente a frente com o culpado. No
mesmo instante, Mãe
Etelvina começou a desenrolar o quadro
pretérito dos três.
Numa
pequena província, de uma era remota, o atual
engenheiro era um
industrial próspero e pai de três filhas. O atual
contador, o
homem que esperava, impaciente, o meu
pronunciamento, era um
funcionário burocrático do industrial, e
desposara a filha mais
velha dele.
A
cena se desenrolava rapidamente diante de meus olhos.
Outro
quadro, e vejo o genro e empregado tornar-se amante
da filha caçula.
Outra cena, e o vejo esbanjando o dinheiro da
mulher no jogo e, por
fim, o desencarne repentino dele numa
mesa de jogo.
Depois
dessa triste cena, vi o industrial, homem bom e
paciente,
recuperando as duas filhas com o auxílio de um amigo
de ambos, o
atual João. Por fim, os tempos terminaram, e vejo os
três homens
se encontrando no plano astral.
A
reação do industrial foi terrível, no seu encontro com o
ex-genro
terreno, mas este era um espírito estacionado e sua
reação foi
pouco diferente da sua atitude quando na Terra.
O
amigo comum, como sempre, procurava, junto aos Mentores, uma
forma
de conciliar aqueles destinos tão antagônicos.
Os
Mentores resolveram, então, recartilhar o programa do
genro
desonesto, e todos se prepararam para nova encarnação.
Aqui
chegados, todos se encontraram na presente situação. Para
completar o quadro, o atual contador tornara-se amante da irmã
do
engenheiro, que, na encarnação anterior, fora sua filha caçula e
amante do cunhado.
Como
um raio, passou pela minha cabeça a culpa do
contador, e que
bastava uma palavra minha para denunciá-lo.
Procurei
entender a razão de tudo aquilo. Mãe Etelvina veio em
meu
socorro.
Pelo
recartilhamento, o genro desonesto pedira a Deus para
voltar junto
ao industrial e sua filha, para reparar seu erro. Para
isso,
escolhera a prova terrível de ser ladrão e condenado. Essa
era a
razão porque me desafiava. Inconscientemente, queria ser
denunciado, acusado e condenado! Ali estava eu, meu Deus,
como uma
espada da Justiça!
O
quadro era claro e insofismável. Para que aquele espírito
considerasse o seu erro reparado, era preciso ser descoberto e
condenado pelo engenheiro e pelo desprezo da sua atual amante,
com o
sofrimento que isso iria trazer a ela.
Meu desejo era o de poder
sumir dali e não ser obrigada a
dizer coisa alguma, como tantas
vezes acontece nessas consultas.
Olhei
para o homem à minha frente, e disse:
-
O senhor sabe que eu sei, não é verdade?
Ele
empalideceu e baixou a cabeça; nem sequer tentou
negar.
-
Pois bem, – continuei – o senhor sabe, também, que sou
obrigada
a denunciá-lo aos seus companheiros. Caso contrário,
passarei a
ser sua cúmplice. O senhor foi quem deu o desfalque,
não foi?
-
Sim, – disse ele – não sei onde estava com a cabeça
quando fiz
isso!...
Meu
coração doía, mas o olhar de Mãe Etelvina me
obrigava a manter a
atitude firme.
-
O senhor ainda está com esse dinheiro, não está?
-
Sim, gastei apenas sete mil cruzeiros.
-
Pois bem, vou lhe fazer uma proposta: o senhor devolve
esse dinheiro
até amanhã, e eu farei tudo para ajudá-lo.
-
A senhora fará isso por mim? – perguntou, e seus olhos se
encheram de lágrimas.
-
Sim, pode deixar por minha conta. Mande entrar o outro!
O
engenheiro Júlio olhou-me, apreensivo. Percebi, no seu
pensamento,
que considerava o contador culpado, e tinha quase
certeza de que eu
iria dizer-lhe a terrível verdade.
Olhei
para Mãe Etelvina, e seus olhos me fitaram firmes.
-
Então, Dona Neiva, já descobriu o autor do roubo?
Não, – disse
eu – não vejo roubo na sua firma. O que vejo
é um enorme engano
bancário, um assunto complicado de
cheques e um erro na
escrituração. Só isso que vejo! Se o senhor
confiar em mim, esse
dinheiro irá aparecer e o senhor irá sossegar. Prometo, ainda,
fazer um trabalho para sua firma, e o
senhor irá pagar as dívidas
e equilibrar sua situação.Seu contador
é um homem bom e é seu
amigo. Quanto ao João, nem se discute;
conheço o quadro dele e é
muito bom. Vá para sua casa tranqüilo,
que, em dois dias, tudo
estará solucionado. Deixe tudo por minha
conta.
Em
seguida, chamei o administrador e lhe disse mais ou
menos a mesma
coisa.
Vida
espiritual intensa. Nessa noite levantei uma
prece silenciosa em
prol desses espíritos em
conflito, e pedi a Deus que sempre
iluminasse a Clarividente em sua missão espinhosa.
Dias
depois, vi de novo os três homens no
Templo, conversando
animadamente com Neiva.
Ela
fez um aceno, e me aproximei do grupo.
-
Mário, quero que você conheça esses meus
amigos. Sugiro que você
bata um papinho com o
Jairo, aqui, e lhe explique um pouco da nossa
Doutrina. Ele está propenso a trabalhar
espiritualmente.
Como
de hábito, expus da melhor maneira
possível o que significava
“trabalhar
espiritualmente”, e meu atual amigo Jairo hoje é um
dos companheiros de luta.
Logo
que eles saíram, procurei uma brecha no
trabalho e me aproximei de
Neiva.
-
Como é que foi o resultado da coisa? –
perguntei.
-
O melhor possível. O contador fez uma
complicada manobra bancária
e o dinheiro
apareceu. Até os sete mil cruzeiros ele arranjou
emprestado, e fez a reposição. A firma pagou todos
os seus
compromissos, e os negócios melhoraram.
Ficou
tudo azul! E você não sabe da melhor. O
contador arrependeu-se
tanto do mal que estava
causando, que resolveu se casar com a irmã
do
engenheiro... Está bom?
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